quinta-feira, 29 de março de 2012

Verbos e outras coisas


A vida nos ensina a conjugar verbos. Conjugo os verbos amar, respeitar, viver, calar, chorar, saber, olhar, beijar, sonhar, escolher, sofrer, acreditar, comer, pensar, pagar...falar! e tantos outros.
Vivemos conjugando todos os dias, em todos os tempos verbais. Passado, futuro, presente, pretério perfeito...e de forma imperfeita também.
Trocamos verbos com as pessoas e com a rotina.
Aí como se fosse fácil conjugar tudo isso, a gente junta tudo isso com os adjetivos!
Bom, ruim, mau, gostoso, péssimo, maravilhoso, feio, bonito, alegre, triste, excitante, louco, chato...
Putz! tudo vira uma salada mista absurda de português e sentimentos. E haja cabeça pra tudo.
Vira um monte de coisas juntas com muitos sentidos, verdades e mentiras.
Desde pequenos são os verbos... engatinhar, mamar, chorar, pedir, brincar, dormir... e depois adolescentes, apaixonar, escolher, tocar, descobrir, experimentar, divertir, transar e hoje em dia twitar!... ai adultos...frustrar, encontrar, perder, esconder, trair, achar, casar, apostar, beber,  separar... e no fim da vida, adoecer, morrer, ir.
Sei lá porque de tantas complicações, sei lá porque de tanto blá blá blá.
Tem gente que prefere palavras cruzadas. Eu prefiro as histórias que se cruzam.
Eu amo o sentido das palavras, e quando se junta muitas palavras se tem um texto. E “o texto só é bom quando estamos livres pra imaginar”, como diria um moço que conheço, e que se dá muito bem com as palavras (Tiago Moralles).
Imagino que daqui um tempo o mundo estará mais escancarado e menos complicado. Será possível?! Já não estamos abertos? Já não estamos melhores? Já não está tudo claro?
Aqui cabe uma advérbio de negação...Não! Ainda somos bem comunistas pra algumas coisas. Vivemos um modelo de felicidade, formatado, padronizado e limitado. Bem classe média. Tudo que sai um pouco dessa receita, vira análise! Não a análise sintática, mas análise social, moral e emocional. Ah! E depois vira julgamento, isso está certo, isso está errado.
Ainda falta muito! falta verbo de ligação! SER, ESTAR, PERMANECER, FICAR, CONTINUAR, ANDAR.
Faltam todas as descobertas da ciência, faltam todas as vontades escondidas, faltam todas as mudanças naturais, hormonais e comportamentais.
E o que somos? Eu, tu, nós no meio disso tudo?? Pronomes pessoais. E bem pessoais. E quando é pessoal, torna-se singular em alguns casos.
Plural só é quando a gente quer e permite.
O plural é fantástico porque é menos egoísta, menos sozinho. São muitos. Plural fica, singular vai.
Mas pra ser um bom plural, antes tem que ser singular. Nem tudo dá pra ser plural.
E temos os advérbios. De modo, lugar, tempo, afirmação, dúvida, intensidade e quantidade.
E ainda assim os advérbios são indicativo, imperativo e subjetivo, como o amor.
O amor bom, é o amor no superlativo. Um amor grandão, forte, que supera tudo e que fica junto no começo, no meio e principalmente no fim (dure o que durar). O amor bom, é plural, nós.
A vontade de amar nunca pode ser no diminutivo. Pouquinho.
Senão, não é amor. É tesão, é calor, é ficar, é beijar, é curtir e depois é deixar ir. Assim tranqüilo, e calmo. Sem neuras, só momento. E isso está tão na moda. As pessoas estão abreviando as palavras e os sentimentos. Os recados são curtos, as histórias idem.
A língua portuquesa é tão complexa e arcaica, parece tanto com a alma humana, cheia de pode e não pode.  De pontos, vírgulas. De acentos, substantivos, adjetivos, verbos, pronomes, artigos, advérbios, preposições e muitas, muitas, reticências...
Cada coisa não com um, mais com muitos significados e regras, como a nossa vida, como as pessoas que estão ou se vão dela.
Cada vez que eu paro pra estudar um pouco tudo isso, e me estudar, penso que filosofar na base do “deixa a vida me levar, vida leva eu” é a melhor coisa. Porque ás vezes tudo parece como se fala no inglês “To Much” (demais!).
Se eu escrever certo, ler certo, mas entender errado, me perdoe! Esse é um problema grave que eu tenho de interpretação de texto. Entendo o que quero e sinto como quero.
Estou aprendendo.
E isso faz parte do cair e levantar. E como faz.
quinta-feira, 22 de março de 2012

Lixo


Primeiramente esclarecer que esse texto não se trata do movimento de uma ativista ninfomaníaca (ninfomaníaca foi boa! Nem tenho mais idade pra isso) que vai sair na Avenida Paulista sem roupa com o corpo todo pintado para protestar.
Trata-se de dizer, por pra fora e no lugar certo essa questão do lixo.
Lixo material papel, embalagens, utensílios domésticos etc, etc... e lixo emocional.
Ando extremamente intolerante com isso. Tenho notado uma cidade (São Paulo) suja! Em todos os sentidos. São coisas despejadas nas ruas, paredes pichadas, monumentos deteriorados...lixo! e pessoas andando pra lá e pra cá, cheias de lixo também.
Além desse lixo material todo que cerca a cidade, existe o lixo moral, emocional, que ao invés de jogarmos fora, deixamos acumular. Tem uma mágoazinha aqui, um odiozinho ali, um nervosismo bem escondido, um comportamento leviano que ninguém viu, e ai a gente não joga fora. Ao contrário a gente guarda! Não sei porque, qual a intenção, mas guardamos.
Estudei em colégio de padre, onde algumas coisas foram ensinadas desde muito cedo. Algumas lições eram hipócritas. Mas uma delas era bem simples e útil: “Lixo no chão não! Eu tenho educação!”. Até hoje repito isso como um mantra. Entro em pânico quando vejo alguém jogando lixo na rua, me dá desespero ver uma pessoa (se é que podemos chamar de pessoa) jogando coisas com a maior consciência tranqüila em qualquer lugar e a qualquer hora do dia.
Dia desses em plena Avenida 23 de Maio um carro com dois casais de idosos, muito bem alinhados por sinal, jogaram dois sacos do Mc Donald’s cheios de lixo no meio da pista. Ah! Não tive dúvida! Buzinei e pedi pra baixar o vidro.
A Senhora toda sorridente abaixou o vidro.  Ai eu gritei: “Sua PORCA!”.  Ela me olhou chocada!  Fechou o vidro rápido como se eu fosse bater nela. E talvez fosse mesmo. Pior que lixo material é lixo humano.
Não sou dessas coisas (mentira sou sim), falar das injustiças, levantar bandeiras, ir tirar satisfação. Mas peraí... então, quer dizer que no Corolla dela o lixo não podia ficar, mas no meio da Avenida, no meio da cidade sim?!
Esse tipo de coisa é inaceitável, tanto pela sujeira como pela atitude e exemplo. Que são um lixo só.
Fico inconformada, quando no mercado, na feira, no Shopping, no cinema, em todos os lugares encontro pessoas tentando e conseguindo, o que é pior, expor todo lixo que há nelas. São pessoas que de alguma forma insistem em dizer um discurso bonito, falam de coisas da moda, reciclagem,  bulling, mundo sustentável,  mundo colorido, mas por dentro estão bem sujas, bem podres.
Não cuidam de si. E aqui não estou falando só de tomar banho, cortar as unhas, ter higiene pessoal. Estou falando de rever atitudes, eliminar o maior número possível de pensamentos ruins, negativos, estabelecer regras possíveis, viver um dia á dia mais limpo, agradecer, elogiar, ser educado com qualquer um, querer pra si e pro outro a mesma coisa sem nenhuma vírgula a mais ou á menos.
A cidade está precisando de um bom banho! Com água sanitária, sabão, esfregão. As pessoas por sua vez, precisam melhorar esse conceito de reciclagem pessoal. Precisam aprender que sujeira emocional tem um peso imenso pra todo mundo. O lixo emocional que não é reciclado vira aterro sanitário, onde nada pode se construir, ninguém pode ou quer ficar. Porque fede, é pesado e feio.
Ser politicamente correto, são de corpo, atitude e alma dá um trabalhão! Toma tempo. E precisa estar comprometido.
Mas é tão gostoso olhar pra gente limpo, olhar pro mundo e enxergar limpo.
É tão gostoso quando tem faxina em casa e tudo está em ordem, limpinho e leve.
Então eu sugiro... vamos fazer essa faxina?! Comece com você, com seus “probleminhas”, aquelas coisinhas de baixo do tapete, limpe tudo! Depois exija respeito com o lugar onde você mora, não admita esse lixo espalhado.
Vamos lá! Sem tirar a roupa e nem ir pra Avenida Paulista, mas fazendo essa limpezinha todo dia, a nossa vida vai ser mais clean!  
quinta-feira, 15 de março de 2012

Ponto para os meninos


Essa semana fui parar no hospital. Crise de asma. Era madrugada e por milagre estava tudo calmo no Pronto Socorro.
Enquanto fazia inalação e era medicada, um menino de 4 anos, o Jonas, tomava soro e era medicado na enfermaria. Virose. Ele nem parecia doente. Não chorou pra colocar o soro e não reclamou de nada.
Falava, falava, falava muito, como radinho de pilha. Quase perguntei se ele queria ter um blog comigo, afinal, sofremos do mesmo mal, da vontade de falar que não passa.
Somente quando o médico foi tirar o soro e dar a alta ele chorou.
O médico disse: “Doeu? Até agora você foi corajoso.”
Jonas: “Não doeu. Mas, você arrancou os meus pelinhos, agora não vou mais parecer com o meu pai!”
Médico: “Mas você não quer parecer com o Neymar?”(ele estava com uma camiseta do Santos).
Jonas: “Não, eu quero parecer com o meu pai!”
Médico e mãe riram.
Eu do meu canto falei baixinho boa Jonas! Mandou bem. Ponto para os meninos!
Você já reparou como nossos filhos numa certa idade querem parecer com a gente? Depois mudam. Mais velhos eles não querem ser nada iguais a gente. Até porque evoluir faz parte do pacote.
Pois é, não entendo muito de futebol. Sei o que é gol, falta, escanteio, impedimento, jogador reserva, juiz, bandeirinha...ah! e gol contra lógico! E sei também que o Neymar é a bola da vez.
Neymar é um garoto incrível, talentoso que tem a sorte de ter a sua volta pessoas que cuidam dele. Inclusive o pai.
O pai do Neymar tentou ser jogador de futebol, sem muito sucesso. Numa entrevista ele disse: “Eu sei exatamente o que o Neymar não pode fazer para as coisas darem errado, eu sou um exemplo disso”.
Com certeza o Neymar está seguindo a cartilha e fazendo a lição de casa direitinho. Nesse caso pai e filho estão felizes com as suas escolhas.
Aproveitando a tarde de repouso em casa revi um filme antigo “Sociedade dos poetas mortos”. Bom filme, com uma mensagem interessante.
O filme fala de meninos que estudam numa escola renomada, cheia de regras e disciplinas escolhidas pelos seus pais, com o intuito dos mesmos, também escolherem para os filhos o seu futuro.
Óbvio que muitos dos meninos não queriam ser o que os pais queriam que eles fossem. E esse era o conflito.
Numa cena do filme, numa aula de poesia, um professor sobe em cima da mesa e diz: “Vocês sabem por que estou aqui em cima?”.
Um aluno responde: “Para parecer mais alto”.
O Professor: “Não. Para enxergar o mundo e as coisas de formas diferentes”.
Na minha opinião, essa  é uma das nossas obrigações enquanto pais, fazerem os nossos filhos subirem nessa mesa. Fazer eles enxergarem o mundo de forma diferente, melhor e com outras possibilidades.
Não sabemos o que vão ver. Mas a visão é deles, é particular.
Os terapeutas e a própria sabedoria popular, diz que o exemplo vale mais que discurso bonito, bronca ou castigo.
Concordo. Esses dias peguei o meu filho brigando com o nosso gato exatamente como faço com ele. Depois de rir, pensei, olha o que eu estou fazendo. Hoje ele fala assim com o gato, amanhã será com o filho dele.
É o exemplo.
Uma casa, a família, o bom exemplo são na vida de uma criança o porto seguro. Se ela tem um ambiente ruim, cresce agressiva, oprimida, angustiada, insegura. Se ela é acolhida, respeitada, tem afeto, disciplina, ela cresce, forte, feliz, segura.
Das duas formas elas vão para a vida e para o mundo. Uns precisam de mais tempo segurando a nossa mão, outros largam logo e começam a andar sozinhos. Mas passarinho mais cedo ou mais tarde voa.
E daí eu pergunto: Qual será a visão deles de cima dessa mesa?
Eu quero que o meu filho tenha sua própria visão. Se ele quiser ser igual, parecido ou não comigo ou com o pai dele, que seja por opção, admiração, escolha e não imposição.
Tem uma música que canta assim: “ser feliz não é o fim, nem aonde chegar, é como você escolhe caminhar”.
É verdade. Eu quero, nós queremos que nossos filhos sejam felizes, mas o caminhar, subir em cima da mesa, e enxergar depende só deles. Nós estaremos por perto orientando. Nada adianta falar línguas, estudar fora, trabalhar numa multinacional, ter um pacote escrito “felicidade” se eles não souberem cair e levantar. Se eles não souberem lidar com a razão, emoção, solidão, frustração, com seus sentimentos e dos outros.
Quando há esse entendimento, e cada um segue a sua verdade, é ponto pra todo mundo, pra nós e pra eles, e aí o empate no jogo vai bem.
quinta-feira, 8 de março de 2012

Romana 95%


Um dia desses fui buscar meu carro no mecânico. Como cheguei cedo, acabei entrando num cabeleireiro ao lado da oficina, para esmaltar as unhas. Eu sou prática, resolvo minhas necessidades pelo caminho, se o carro não ficou pronto, faço as unhas, passo no mercado e assim vai.
Quem me atendeu, e muito bem foi a Romana. Uma mulher de uns 40 e poucos anos, cheinha, morena, com cabelos pretos e curtos, com um sorriso largo, simpático e um sotaque carregado do nordeste, logo esbanjando alegria.
Ela disse: - Vai pintar de claro ou escuro? Quer dar uma olhada nos esmaltes?
Eu disse: - Quero uma cor vibrante. Puxando pro vermelho ou laranja. Acho que tomate.
Escolhi o esmalte e engatamos uma conversa. Conversa de salão de cabeleireiro geralmente se resumi a novela, falar mal de alguma artista da capa de revista, esmalte, dieta, cabelo, namorado/marido, amante... a conversa começa e termina sem muito aprofundamento, sem muita lógica e sem nenhum compromisso. Só distração. Quem está do lado escuta e também dá palpite, é uma bagunça.
Romana, perguntou se eu era casada, se tinha filhos. Eu respondi, já fui casada, sou separada há 7 anos e tenho um filho de 13 anos. Agora eu estou namorando (falei que namoro só pra deixar claro que não sou uma sozinha, bobagem de mulher).
Ela soltou um “nosssssaaaa um filho de 13 anos, nem achei que você tinha filho, é muito novinha”
Eu abri um sorriso da mais pura satisfação e agradeci. A idade não me incomoda, mas parecer mais nova não é nada mau. E aqui entre nós um elogio feminino tem peso 2.
Ela disse: “Sou casada e tenho filhos. Hoje a mulher tem que ser 100%. O marido quer a comida no prato e o prato na mão, a casa tem que estar limpa, a roupa impecável, os filhos bem cuidados e bem criados, tem que trabalhar e dividir as contas da casa, e ainda por cima a gente tem que estar bonita, cheirosa, bem humorada e disponível pro prazer do marido. Ah! E tem que estar de olho para vizinha não roubar seu homem.
E continuou dizendo: “Eu falo pro meu marido, não reclama não, você tem uma mulher 95%... 100% só se eu fosse linda como a Ana Hickmann e falasse inglês fluente”.
Dei risada. Fiquei pensando quantos por centos (%) eu estou sendo ultimamente? Considerando a Romana, também sou uma mulher 95%. Faço todas essas coisas que ela faz, mas não sou a Ana Hickmann e não falo inglês fluente. Na verdade acho que todas nós hoje fazemos de tudo pra ser 100%. Mas 100% é uma meta alta. É como ter todas as ISO 9000 de qualidade, perfeição e excelência, é como ganhar o Oscar de melhor atriz, o Prêmio Nobel, e estar na Lista das mulheres mais bonitas e ricas do mundo da revista Forbes, tudo ao mesmo tempo. Traduzindo em uma única e respeitável palavra: FODA! (desculpe o palavrão) Ou Impossível.
Ninguém é 100% nem pra si mesmo. A gente tenta. E tentar já é bastante cansativo.
Eu não vejo problema em não ser 100%, o problema é ficar deprimida, neurótica, psicopata, infeliz, por causa dos 5% que faltam! Isso é um absurdo!
Todo mundo tinha que deletar esses 5%, tinha que jogar na planilha na coluna perdas e prejuízos. Seria mais racional, ou mais humano.
A Romana acabou de esmaltar as minhas unhas. Ficaram boas.
Eu disse: “obrigada Romana, pelas unhas e pelo papo, foi um prazer”
Ela respondeu: “WELLCOME (rindo) minha cliente que fala inglês disse que nos Estados Unidos eles respondem assim. Que bom que gostou. O prazer foi meu, você é muito simpática volte mais vezes".
Hoje dia internacional da mulher eu podia falar de mulheres poderosas que mudaram e estão mudando o mundo como Dilma, Olga Benário, Leila Diniz, Elis Regina, Amy Winehouse, Coco Chanel... mulheres que apesar de tudo que foram, fizeram ou estão fazendo e sendo também são 95%.
Eu tenho mania de me afeiçoar e me encantar com o simples, o comum, porque é aí que está o extraordinário da coisa, por isso falei da Romana,uma mulher tão simples e comum como eu,  e você.
Talvez um dia nós todas mulheres 95% seremos 100% felizes por desencarnar dos 5% que faltam. Além do mais, a culpa é da matemática da mulher, que arredonda tudo pra baixo.
quinta-feira, 1 de março de 2012

A neta do defunto


Meu pai veio de Portugal de navio com 17 anos. Desde então perdeu totalmente contato com meu avô, o pai dele.
Acho que nunca foram próximos, já que quando meu avô ficou viúvo, casou-se de novo com uma portuguesa e deixou os filhos com a ex-sogra. Meu pai, e a única irmã, foram criados pela avó materna.
Eis que um dia meu pai recebeu um telefonema da irmã dizendo que o meu avó havia falecido.
Meu pai ficou triste, mas nada fez.
Depois de anos passados, meu pai recebeu outro telefonema do tio dele que mora na Venezuela, país que meu avô morava também, dizendo que meu avô havia falecido.
Eu sei o que você está pensando. Mas, ele já não havia morrido? Pois é. Não sei a razão, mas essa última era a morte verdadeira, autêntica, digna de dor e sofrimento.
Meu pai ficou triste pela segunda vez. Mas dessa vez fez algo.
Decidiu que iria até a Venezuela enterrar e reencontrar o pai depois de 30 anos. Comprou duas passagens e lá fomos nós, eu e ele, enterrar meu avô português.
Apesar do motivo ser triste, não posso deixar de dizer que  a viagem foi uma das coisas mais divertidas que fizemos juntos.
Meu pai demonstrou calma no avião. Reparou e ficou indignado com a senhora ao seu lado que preferiu dormir a jantar. Com certeza a senhora tinha intolerância a comida ruim, com sabor artificial, e um pouco de soberba também.
Meus tios de alguns graus, foram nos buscar no aeroporto. Queríamos ir para um hotel, mas, insistiram para ficarmos na casa deles. Ficamos. Nos trataram bem, mas, era incômodo.
No dia seguinte foi o velório e o enterro. Na igreja minhas tias, prima, senhoras e a viúva do meu avô, mostraram que tinham experiência com velório, porque foi um choro só. Uma lamentação, um sofrimento coletivo e performático luso venezuelano.
Eu e meu pai estávamos um pouco perdidos. Nos apresentavam assim: “essa é a neta e o filho do defunto. Vieram do Brasil só para o enterro”.
Esse “vieram do Brasil só para o enterro” entenda não querem herança, espólio, nada. Só enterrar o morto.
Foi uma sensação estranha estar ali só para isso. Porque não havia mais que respeito e consideração. Outros sentimentos como amor, apego, carinho, saudade, intimidade não existiam. Sabemos que esses sentimentos são fruto da convivência, da relação que se estabelece com o outro e nesse caso essa relação era nula.
Eu fui colocar uma flor no caixão. Fiquei olhando o meu avô. Tentando ver nele algum traço meu, tentei reconhecê-lo. Mas pra mim ele era um morto estranho.
Olhei pra ele e disse mentalmente: “vô não sei quem você é. Vim pelo meu pai, que inclusive você não fez muita questão de conviver. Pena. Porque ele é um cara incrível, e um pai maravilhoso. Ah! você também não conheceu seus netos. Eu, e meus irmãos diga-se de passagem somos pessoas encantadoras (não ia ficar falando dos nossos defeitos né). Só vim dizer descanse em paz”.
Ele não abriu a boca, não usou nenhum argumento, não pediu desculpas, nada. Nem me olhou.
Melhor assim, afinal, ele estava morto.
Lamentei a falta de intimidade, a falta da dor da perda que não senti.
Nunca perguntei ao meu pai porque ele quis ir até lá. Mas sei que foi importante pra ele.
Ainda ficamos alguns dias por lá. E até meu pai sucumbiu a vaidade e fez umas comprinhas. Meus tios devem ter dito: “só vieram aqui pra passear e fazer compras”.
Na volta, no aeroporto, ficamos numa área VIP do cartão de crédito. Nessa área exclusiva, chegou uma banda de música. Pareciam famosos, mas só na Venezuela porque não reconheci ninguém.
Então, falei pro meu pai “vamos pegar um autógrafo?”. E meu pai respondeu espontaneamente: “TE TUECAS!” (traduzindo: "se toca!") no espanhol mais vagabundo e chulo que já ouvi. Caímos na gargalhada!
A viagem foi cheia de detalhes engraçados, apesar da fatalidade.
No Brasil respiramos o ar de missão cumprida. Meu pai, acho que ficou melhor por ter ido ao enterro do meu avô, mesmo que na vida um ao outro haviam sido ausentes.
Eu concluí mais uma vez que amor, é sentimento que deve ser cultivado, alimentado, nutrido. Pode até se amar á distância, mas precisa conhecer, se envolver e querer.
Meu pai está aqui, sendo avô do meu filho. Eles brigam, conversam as suas diferenças de idade, ás vezes se toleram, outras se gostam. Mas meu pai está presente! sendo pai e avô, e isso faz toda diferença quando a questão é amor.

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