Aproveitando o ensejo de uma
exposição que está aqui no Centro de São Paulo – Corpos Presentes (muito boa),
onde algumas esculturas estão despidas, e essa questão chegou a me incomodar,
apesar de ser arte. Tenho uma coisinha minha pra contar. Não chega á ser um
segredo, mas talvez um costume.
Eu nunca durmo sem roupa. É isso.
Nunca durmo despida, pelada, nua. Durmo de pijama, meia e até de sutiã. É
extremamente desconfortável pra mim ficar sem nada. Me sinto invadida,
desprotegida, observada, constrangida, abandonada, vulnerável.
Enfim, não é natural.
Como tenho o louco costume, assim
como Freud de associar fatos á reações psicológicas pensei! Porque é tão
estranho, anormal e desconfortável dormir nua? Sentir-se nua?
Me propus: Dormir forçosamente
algumas noites nua.
Minha parte sã logo gritou: “Ei
não dá pra fazer essa brincadeira no verão?!!!!” Mas minha parte insana foi
logo tirando a roupa.
Na primeira noite, não dormi.
Nada. Fiquei imóvel um pouco, depois me mexi e me remexi, tive frio, calor,
fiquei ansiosa, me senti muito estranha. Tentei reconhecer cada sensação.
Na segunda noite, dormi. Pouco.
Mas no meio da noite tive vontade de ir ao banheiro. Lógico que a minha parte
sã gritou e xingou novamente: “Tá vendo! que idéinha ridícula essa de dormir
sem roupa, como você vai ao banheiro agora e no frio???!” Me enrolei no edredon
e fui.
Na terceira noite, dormi. A noite
toda. Talvez de exausta. Acordei tranqüila, mas tão logo notei a falta da roupa
fiquei paranóica. Totalmente introspectiva e desconcertada.
Isso acontece com você? Esse incômodo
de estar nu de tudo?
Eu falo, faço e aconteço, mas
vestida. Vestida e acompanhada.
Todas as noites dormir nua foi inconveniente. E entendi o porquê.
Porque nua sou só eu. Eu e meus
defeitos, eu e minhas linhas retas, eu e as minhas pintas espalhadas pelo
corpo, eu e meu comportamento torto, eu e minhas qualidades que insisto em não
ver, eu e minhas escolhas confusas.
Só eu. Sem disfarce, sem
badulaques, sem modismos, sem toda alegoria cintilante que me faz ir pra
avenida todos os dias fazer o meu carnaval.
Eu sei que a alegoria e o brilho
ajudam a ganhar o carnaval. Mas estar nua, sentir-se nua é importante, te faz
maior, majestade e não mais pequena nas mesmices. É nua que as coisas fazem
sentido.
Ir pra avenida sozinha, é real
demais, não tem efeito. Mas precisa ser feito assim no momento.
Estar nua de sentimentos, de
lamentos, de reação, de medos, de lembranças.
Sentir-se nua de vontades, de
gostar, de querer, de pedir, de insistir.
Eu estou assim nesse momento. Nua
e crua como a verdade.
E estou gostando mais dessa
verdade, essa mesma que está na cara, que bate de frente.
Eu quero ficar assim um
tempo. Até me acostumar comigo sem nada,
sem coisa alguma, sem ninguém. Agora eu só quero estar nua.
Quero essa nudez plena e absoluta
em cada parte de mim, e do meu querer.
Quero me sentir e me vestir bem
devagar. Muito lentamente. Sem nenhuma pressa.
Só de coisas boas. Só de bem
pouco.
“Nós mulheres inteligentes com o
passar dos anos carecemos de bem pouco. E só do bom e do melhor” (Ines de La
Fressange).
Me vestir do que faz meus olhos
brilharem, meu coração bater sem ritmo, minha boca calar. Me vestir de dentro
pra fora, e não contrário. Quero que seja gostoso, completo.
Quero me vestir de quase nada. Eu
sei que não se vai á muitos lugares sem roupa, sem artefatos, sem ninguém, sem
desculpas. Mas se chega bem perto de si mesmo. Quero me desfazer de toda culpa
que está nas minhas costas. Quero parir essa mulher despida de necessidades
fúteis e sem sentido.
E eu estou assim, cara á cara
comigo mesma. Não é simples, não é confortável confesso, mas é necessário,
essencial pra entender as coisas á sua volta.
Bom, é isso agora vou apagar a
luz. Boa noite.
Opa! Esqueci preciso tirar a
roupa pra dormir. Hoje é a última noite da “vivência” de dormir sem roupa,
mesmo porque até minha parte insana pega gripe com esse frio.