quinta-feira, 29 de maio de 2014

E aí, vai ter jogo?


Confesso que somente agora há alguns meses da Copa, é que comecei a pensar no assunto. Lendo cada dia mais opiniões, vendo cada dia mais manifestações e ouvindo cada dia mais de tudo um pouco, me questionei à respeito.
Simplesmente estou muito em cima do muro. Juro! Totalmente perdida. Nunca pensei que veria uma Copa no meu País. Não pensei que veria justamente pelos motivos do passado e de hoje também, como falta de estrutura, outras prioridades, segurança, e por aí vai.
Achei como muitos achavam que era tão sonho, tão utopia, tão ficção, que nunca teríamos uma Copa do Mundo aqui, no terceiro mundo, ou no mundo em desenvolvimento.
Bom, eis que não como um milagre, mas, talvez por obra superfaturada do destino fomos escolhidos para sediar uma Copa.
Isso há quase exatos 7 anos atrás, mas, somente agora às vésperas do evento o assunto inflamou e está a ponto de explodir.
Uns querem, outros não. É muita sujeira de baixo dessa grama. É muita insatisfação sentada nessa arquibancada. É muito povo desgostoso de fora do portão desse estádio de luxo querendo entrar.
Literalmente não sei o que vai ser. Sei que deve existir, e tem gente trabalhando sério e com afinco para que tudo aconteça como um grande espetáculo que merece ser.
Mas, e todo o resto? E os bastidores? O que houve? Eu trabalho na Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do Estado de São Paulo, e não estamos envolvidos com absolutamente nada da Copa, porque foi criada uma comissão específica para a questão.
Desde o começo lamentei por isso. E agora muito mais. Queria ver o que de fato está acontecendo, queria ter tido a noção do que foram esses quase 7 anos se preparando para esse momento.
O que deu certo? O que deu errado? E o que dará no final dessa partida?
Esse jogo está truncado, marrento, e tem muito juiz roubando. O povo, que é que a torcida, reclama, se agita, mas, ainda assim faz papel secundário, vê quase tudo do banco.
Papel esse que sempre fez. Comporta-se não só nesse momento, mas, em tantos outros, como amante. Amante que se sujeita a tudo e finge que é feliz porque lhe é conveniente.
Todo País tem suas paixões, tem algo que não só gosta, mas, muitas vezes motiva um povo. Uma coisa que está no sangue de cada um, mesmo que um tiquinho de nada, uma gota. Cada qual com suas características e cultura, sabemos por exemplo que o Japão motiva-se por tecnologia, o Americano por patriotismo, a Europa num todo por história, cultura, cinema.
No Brasil, no sangue de cada um tem um pouco de futebol. Isso move muitos. Não tem jeito não adianta disfarçar e ir ao cinema ver filme brasileiro pra se achar mais Europeu, a massa verde e amarela vê mais futebol, joga mais futebol e gosta muito mais da pelada (jogo).
E o governo espera exatamente isso, que todos se comportem como apaixonados. Que todos esqueçam a traição, o descaso, e aceitem de braços abertos essa Copa filha de uma puta (desculpa o palavrão).
É pedir muito? É pedir demais! pra quem não aguenta mais.
Não vemos na tv mesa redonda pra discutir sobre cultura, educação, saúde, segurança. Não se paga fortunas para se comentar sobre esses assuntos. Mas, eles estão na boca, na mesa, na sala, na carência do povo.
Fomos todos sequestrados do nosso lar doce lar e estamos vivendo em cativeiro a pão e água. E daqui a pouco nem água. E ainda precisamos torcer na Copa e pela Copa.
Eu quero torcer. Eu não quero torcer. E acho que tem meio Brasil comigo, indeciso sem saber se veste a camisa ou se pendura a chuteira.
Pelo tanto de tudo que já aconteceu e se gastou, queremos pelo menos o troco pago com moeda estrangeira pra diminuir o prejuízo.
Concordo com Zagalo tudo isso acabou deixando o clima pesado, e estragou a festa. Nós estamos igual casal em vias de se separar, estamos esperando a gota d'água para jogar a aliança pela janela, dizer adeus e bater a porta pra não voltar.
Mas, do que a gente precisa se separar? Do futebol? Ou do Governo?
Quem abusa da gente o tempo todo e de todos os jeitos? Vou dar uma dica começa com G.
Não é futebol, não é a bola, não é o jogo ou os jogadores, não é a Copa. É o Governo o grande culpado, que tem como cúmplice um povo que é hipnotizado por qualquer brilho colorido e 5 minutos de fama.
Por isso insisto que o brasileiro precisa parar de fazer firula, manha, pra marcar falta ou fazer pênalti pra ganhar esse jogo. O brasileiro tem que brigar, marcar em cima e atacar! E muito! até expulsar o que te faz tão mal.
E sabemos quem nos faz mal, sabemos quem tem que pagar. Então, essa pode ser uma boa hora de mandar a conta.
Aproveita toda essa publicidade, todo esse movimento, toda essa revolta e sinta-se esse brasileiro que não desiste nunca e lembre-se de tudo isso logo depois da Copa.
Faça a sua festa, faça do jeito, e como preferir. Gritando, torcendo ou até ignorando tudo isso calado. É seu legítimo direito.
Mas, lembre-se dessa conta, lembre-se de quem tem que pagar.
Eles fizeram os "campinhos" mas, nós somos os donos da bola. E sem bola não tem jogo.
Eu não sei se vamos botar a bola na linha e deixar rolar, ou se vamos colocar a bola de baixo do braço e dizer que não vai ter jogo.
Eu não sei. Não sei se vamos perder mais, se vamos empatar, só sei que precisamos começar a ganhar sob todos os aspectos nesse jogo.
Que mais uma vez Deus seja brasileiro, olhe  por nós dentro e fora do campo. Que o gol seja da camisa 10 e não da camisa 13.
Mas, e aí que jogo você vai querer depois da Copa?

  
quinta-feira, 8 de maio de 2014

Manual para morrer em paz


Sempre me pergunto se estou pronta pra morrer. Se tenho medo da morte. A resposta é sempre não e sim.
Eu acho que ninguém está preparado para morrer. E no meu caso além de tudo morro de medo da morte. Mas, se morro de medo, já estarei morta mesmo.
Apavora a hipótese de não estar aqui, de não viver mais em carne e osso. Não ter problemas, desejos, vontades, estar com pessoas que eu amo, fazer falta para meu filho.
Mas, comecei a pensar diferente sobre esse assunto depois de um certo domingo.
Foi num domingo desses de março passado que fui almoçar uma mariscada em Santos na casa dos tios do Fernando, meu namorado. O Almoço já prometido há tempos tinha um propósito.
Pegar os copos de whisky de cristal colorido que o pai do Fernando deu aos seus tios de presente.
Infelizmente o pai do Fernando faleceu subitamente de infarto ano passado e desde então sua Tia Regina achou por carinho e direito de herança que ele deveria ficar com os copos de cristal nunca usados.
Fomos então para o almoço em família e para pegar os copos justamente no dia do aniversário do pai do Fernando. Acho que estarmos todos reunidos para um almoço na casa de tios tão queridos, foi uma forma de lembrar e homenagear com carinho o Duilio, pai do Fernando.
Chegando lá observei o apartamento que tem quase 100 anos e que fica num prédio muito simpático. Fiquei encantada com tudo e com o lustre de louça pintado a mão. Pensei no tempo das coisas e das pessoas. Um objeto pode ter 100 anos quase sem nenhuma avaria se bem conservado, mas, nós gente, com o passar do tempo ficamos avariados de muitas maneiras. Sentados em volta da mesa de jantar, bebericando e petiscando, conversamos animadamente. Inclusive sobre a morte.
Num dado momento o tio do Fernando, Sr.Luiz Vinagre que apesar de senhor não tem nada de velho, conhecido e chamado apenas de Vinagre, pegou de uma das gavetas de uma cômoda um "manuscrito", e me mostrou todo orgulhoso como deseja que as coisas sejam quando ele morrer.
Vinagre é um homem que se não existisse deveria ser inventado. E inventando por mãos boas, cabeças inteligentes, espíritos alegres e gente com um coração grande.
Ele é um sujeito ímpar! Que só faz par com a vida, a alegria e com a Regina, tia do Fernando. Ele é apaixonado pela vida, sendo assim, à trata como todo bom conquistador, com paixão! Ele galanteia a vida. É um homem alegre, moderno, feliz e com mil histórias pra contar.
Alguém que no mínimo vale a pena se sentar numa mesa, tomar uma bebida da preferência da companhia e bater um bom papo.
Bem, voltando ao "manuscrito" do Vinagre. Esse manuscrito é um relato digitado e atualizado de 3 em 3 meses sobre seus desejos de vivo quando estiver morto.
Neles estão contidos com que roupa ele quer ser enterrado, quem deve ser avisado com nome e telefone, suas dívidas que tem a importante observação "não pagar ninguém" afinal, o devedor não poderá mais ser cobrado.  
Tem também seus créditos na praça, senhas, seus possíveis pepinos a serem resolvidos pela família.
Justificou a importância de atualizar o manuscrito periodicamente, pois, a cada dia a lista de quem deve ser avisado aumenta. Mais uma prova do quanto ele é querido e amigo de todo mundo.
Ele lê sem sofrimento ou constrangimento alguns trechos para mim. Cita a obrigação da filha mais velha, Luciana, de servir uma rodada de whisky para todos os presentes no velório.
Quando pergunto qual whisky ele quer que sirva? Ele diz: "sei lá vocês que vão beber, eu estarei morto e não vou ter dor de cabeça se for ruim" e solta sua inconfundível risada.
Parece tétrico, mas, ele leva tudo numa boa, faz graça e se diverte com o assunto e a situação.
Ele acrescenta que queria gravar um vídeo para passar no velório, mas, foi terminantemente proibido de fazer isso pela família.
Vinagre acha tudo normal, e de fato é. Só é incomum a sua capacidade leve de lidar com isso.
No fundo ele deseja que tudo seja uma festa, com alegria e bons sentimentos.
Errado? Acho que de forma alguma.
Pra mim isso significa que ele pensa assim: Vim, vi, vivi, aprendi, evolui, errei, pequei, gostei, amei, odiei, sonhei, realizei, fui feliz e agora posso ir em paz.
E é justamente isso que eu gosto "ir em paz". Sabe aquela sensação de missão cumprida com êxito, é isso.
Como é bom poder chegar ao céu, ou em qualquer lugar que exista depois daqui, prestar contas e ficar numa boa com a consciência.
Hoje a morte é encarada de forma até mais prática. Existem empresas de seguro que vendem o seguro funerário. Tem para todos os gostos e bolsos.
Para nós parece até coisa de mau agouro pagar pelo próprio funeral, mas, pode ser só um jeito de morrer em paz sem dar trabalho pra ninguém na hora H.
Não vai demorar muito e teremos lista de convidados para os velórios com RSVP (RSVP, é a abreviatura de Répondez S'il Vous Plaît, expressão francesa que significa "Responda por favor") confirmando a presença como num grande evento. Acho que pra celebridades como presidentes, pop star, já existe isso.
O Vinagre não sabe quando e nem como vai morrer. Nenhum de nós sabemos. E não saber nesse caso é melhor para todos.
Pra que antecipar sofrimento?! Se soubéssemos não daríamos conta.
Esse manuscrito do Vinagre, que também pode ser considerado um testamento informal me fez pensar que até para morrer temos que ter certa organização.
Mesmo sendo dos assuntos mais desagradáveis que existe é importante conversar a respeito, escrever talvez, como gostaria que tudo fosse. Pode ser menos dolorido para quem fica saber o que fazer e de que jeito fazer.
É literalmente e popularmente "a vontade do morto" sendo feita.
Aoki Shinmon, escritor e poeta que trabalhou como nõkanshi (embalsamador, agente funerário japonês) autor do best-seller no qual o filme A Partida- Okuribito foi baseado, escreveu que antigamente os japoneses faleciam rodeados por seus familiares e eram colocados nos caixões por seus parentes de sangue. Ele disse: “O velório era celebrado como um último período de convivência com a pessoa que faleceu”.  Portanto, um momento de muito respeito, sentimento e cumprindo as vontades da pessoa que se foi. Não era um momento feliz propriamente dito, mas, um momento de despedida, amor e perdão. Hoje sabemos que aqui e até no Japão pessoas sem qualquer intimidade, afeto e história com o falecido é que fazem esse procedimento de arrumar e colocar no caixão. Às vezes sem o menor cuidado, sentimento e consideração. Virou um processo estéril e automatizado. Como se depois de morta a pessoa perdesse todo seu valor.
Sendo que mais do que nascer o ato de morrer é a transição final, é o renascer evoluído.
Mahashta Mûrasi, um sapateiro da Índia com 179 anos diz:"A morte esqueceu-se de mim". Não sei se viver tanto é bom. Mas, esse é meu desejo com relação a todos que amo, que a morte se esqueça deles e os deixe aqui por muito tempo, ou só o tempo de serem felizes como escolheram ser. E quando for a hora de cada um que seja feita sua vontade.
No mais vida longa ao Rei. Vida longa ao Vinagre. 


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Marcela Moretto

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