sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Fechando as contas


É uma das coisas mais clichês que existe, mas, nessa época do ano quase todo mundo faz um balanço pra saber se o ano foi bom, se não foi, se as metas foram cumpridas.
Enfim, é tempo de balanço. É tempo de auferir lucro, prejuízo dos ativos e passivos do nosso ano, das nossas atitudes.
Parece meio técnico usar esse termo “auferir lucro e prejuízo” mas, eu penso exatamente assim. O que eu ganhei? O que eu perdi? Quem ganhamos? Quem perdemos?
Conversando com alguns amigos, muitos disseram do alívio do final desse ano. Amigos perderam empregos, outros romperam com namoros, casamentos, e outros perderam pessoas queridas. A maioria disse que foi um ano difícil , pelas perdas irreparáveis, pelos sentimentos envolvidos e até pela falta de dinheiro.
Grande parte desses amigos atribuíram a culpa do ano ruim, entre outras coisas, por ser um ano que termina em 13, ou seja, um número de pouca sorte para alguns.
Passando o meu ano na régua, na ponta do lápis da maneira mais cartesiana que existe, esse ano eu ganhei.
2013 foi um ano que eu ganhei de presente pra vida toda. Não falo de grana, que também não posso reclamar, porque as contas estão pagas, mas, um ano de assuntos que precisavam definitivamente entrar nos eixos. Sonhos que precisavam ser colhidos.
Foi um ano de sonhos realizados. Desde viajar com meu filho para Disney, depois conhecer Madrid e Barcelona com uma amiga, até viajar de novo pra Disney com meu namorado.
E o melhor de todos os sonhos, me reencontrar com o amor, dar um passo que me levou a ancorar meu coração num porto seguro, num porto de paz.
Teve de tudo, e de tudo que é bom e faz o coração feliz. Muitas festas, jantares, vinhos, risadas, praia, amizade, muito amor. Com direto á pegar a estrada de Miami para Key West num Mustang conversível da maneira mais “Hollyudiana” possível, de óculos escuros, cabelos ao vento, respirando liberdade, num dia de pôr do sol na estrada ás 20hs.
Nesse dia mais de uma vez eu soube que eu sou abençoada, e tive a certeza que estava com a pessoa certa, que eu estava amando e feliz. Agradeci olhando para pôr do sol por ter me reencontrado, por ter me resgatado a tempo de viver tantas coisas boas.
Foi um ano de trabalho e recompensa. 2013 foi generoso comigo.
Mas, se comigo foi um filme de amor, aventura e um certo glamour tenho consciência que para outras pessoas foi um ano de perdas, de luta, de tristeza.
Perdas materiais damos um jeito, mas, e quando perdemos alguém? E quando é tão de repente que nos tira o ar?
O que dá para recuperar, recuperamos mas, e o que não dá? como fica?
Como fica quem perdeu pai, mãe, marido, amor? Não sei. Não dá pra saber. A gente só sente junto, pega na mão e ajuda a andar.
Quem fica precisa achar um novo caminho, ou continuar a andar no mesmo, só que de um jeito diferente.
Perder pessoas muda a gente. Posso dizer com toda propriedade que ganhar pessoas também.
Muito escutei sobre cansaço. Foi um ano que cansou muito. Não sei se porque estamos envelhecendo rápido demais e o pique é outro, a pilha não está mais zerada, a maioria se queixou desse cansaço.
Quase todo mundo cansou do trânsito caótico, da violência, dos protestos, dos políticos, da impunidade, do chefe, dos afazeres de casa, de ser mulher, de ser homem, de ser filho. Quase todo mundo cansou de alguma coisa.
Estamos exaustos! Dormindo mal, trabalhando muito, pagando alto por quase nada.  
Agora já nos últimos dias de 2013, as pernas estão se arrastando. Todo mundo quer botar um chinelo, uma roupa leve e sossegar o corpo e a alma.
O que deu pra fazer deu, o que não deu, joga pra lista de 2014. E no novo ano já temos mil compromissos assumidos.
Apesar de tudo igual, ano novo tem um ar de otimismo, a gente simplesmente acredita que tudo vai mudar para melhor, mesmo continuando no mesmo trabalho, na mesma família, na mesma relação desgastada.
Isso cansa! O que cansa é a falta de mudança. O que cansa é a falta de mudar! Da gente mudar e não do ano.
Esse ano muita coisa mudou na minha vida, e foi bom. Porque eu mudei para melhor comigo mesma.
2014 promete ser um ano cheio. Espero cheio de boas possibilidades para todos e não só de expectativas, e de saco cheio.
Temos Copa do mundo, Eleições, poucos feriados, muitas coisas pra fazer.
E vamos fazer.
Que venha 2014. Porque vamos matar no peito e fazer um gol de placa.
Afinal, em 2014 vai ter jogo e o jogo vai ser no nosso campinho, portanto, temos a obrigação de jogar bem, de vestir essa camisa 10.
Bom próximo ano pra todos nós!  


  
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Janeide ou Luiza


Ela manda parar em frente ao portão capenga do cortiço. Desce do carro as 6:42 fumando um resto de cigarro, com uma roupa colada que ajuda a desenhar o corpo, o cabelo amassado, maquiagem já desforme, na mesma mão do cigarro segura um copo de plástico com uma bebida já no fim. Não dá pra saber o que tem no copo. Cerveja, pinga, vodka. Também não faz diferença. Por fim ela bebe as suas mágoas e diz tchau pro dono do carro.
Janeide Luiza, é uma mulher bonita, é nova e desejável. Era assim que ela vivia, do desejo dos homens, de qualquer desejo por ela.
No corredor do cortiço encontra o senhor Luiz, que diz bom dia, desejando que ela tenha mesmo um dia bom. 
Abre a porta de casa e vai logo tirando a roupa de sair. Coloca a roupa de ficar em casa, escova os dentes, e vai pra beira do tanque. Amarra o cabelo com uma xuxa, separa a roupa de cor, da roupa branca e começa o dia.
Os meninos estão no quarto dormindo. A mãe D. Isaura também.
Ela lava a roupa, a louça, o banheiro. Passa um pano na casa. Escuta o rádio baixinho.
Depois de tudo arrumado ela acorda os meninos. Os meninos não são dela. O irmão e a cunhada que passaram lá no cortiço um dia e sumiram no mundo. Os meninos ficaram, e junto com eles a responsabilidade toda pra ela.
Coloca o leite, o pão e a manteiga na mesa. Essa semana ela não viu o seu Agenor da padaria. Então não tem requeijão, queijo, presunto, danone, Ana Maria, Toddy. Essa semana provavelmente não vai ter carne.
Semana que vem é a última quinta do mês, e aí ela vê seu Agenor, e nesse dia tem banquete. E tem o nojo dele também, mas, pra ver os meninos felizes ela engole o nojo e suporta.
A mãe sai do quarto ainda cheirando à álcool. Senta na cadeira em frente à mesa e pra disfarçar o tremor das mãos, brinca com o miolo do pão.
Janeide Luiza, diz para os meninos descerem e brincarem um pouco enquanto apronta o almoço. Arroz, feijão, salada de dois tomates e ovo frito.
Eles pegam cada um, um brinquedo velho e cansado e vão. Quando ela olha para os meninos, saindo, ela tenta se convencer que eles estão tendo uma infância boa.
Nesse momento ela olha pra mãe, já não sabe o que dizer e nem pensar. Não cobra mais nada. Não faz sentido cobrar de quem não pode oferecer, ou pagar.
Começa a fazer o almoço. A mãe vai pro quarto cambaleando, liga a TV e pega a garrafa de pinga de baixo da cama. Em pouco tempo mata a garrafa e dorme de novo.
Janeide Luiza nunca sabe como agir nessa situação. É sempre uma tristeza que invade tudo, é um desespero que toma conta dos pensamentos e a deixa imóvel.
Os meninos sobem, tomam banho e se aprontam pra ir para escola. Fazem tudo sozinhos. Ela, não os mima não, porque tem medo de faltar e eles não saberem se virar na vida.
Eles vão pra escola a pé e sozinhos. Ela olha da janela. 
Quando a cozinha está limpa ela despenca no sofá rasgado, dorme de cansada. Ela nunca sonha, nem sabe se tem sonho, ela só quer botar comida na mesa e dar alguma coisa que alegre os meninos.
Quando ela acorda, parece mais exausta, parece que foi atropelada por um caminhão de mudança, um caminhão de realidade.
Vai para o banheiro velho que cheira mofo com os azulejos caídos, liga o chuveiro, se olha no espelho. Se pergunta em voz alta: O que vai ser dela quando o peito cair, a barriga ficar grande, a pele flácida, a bunda cheia de furos? – O que vai ser dela quando a idade chegar e o desejo deles por ela envelhecer?
Ela entra no chuveiro, se lava, se esfrega como quem quer tirar da pele, o nojo, o desgosto. Como quem quer lavar a culpa de não tentar uma vida melhor pra ela e os meninos.
Janeide Luiza não é feliz desde o dia que nasceu. Ela só se permite ser menos triste uma vez por mês. Todo último sábado do mês, ela deixa os meninos com a D.Luzia esposa do Sr. Luiz e vai pro samba na zona sul.
Chega e se faz de moça rica e bem nascida. No samba ela se sente rainha. Samba, conversa, joga charme, conta que foi para Europa, que está esperando o carro novo chegar, que quando acabar a faculdade vai morar fora por um ano. Fala umas expressões em inglês para impressionar.
No samba ela conta a realidade que ela inventa pra fazer parte da panelinha.
Não bebe muito, não beija nenhum homem, lá ela é Luiza Magalhães. Lá ela só samba sua felicidade de um dia só.
Quando vai embora, ela pega o táxi do Rui, que a deixa duas quadras pra frente da rua do samba, pra ela pegar o ônibus para casa.
Rui sempre puxa papo, quer assunto. Ela fala pouco.
No último mês, ela entrou no táxi e desabou a chorar. Chorou muito. Nesse dia, o Rui não deixou ela duas quadras do samba, andou duas horas com ela pela cidade. Ela acalmou e disse pra ele toda a verdade da Janeide Luiza. Disse que fazia faxina para sustentar a família, essa foi a verdade, ou pelo menos não pareceu mentira.
Ele a levou para casa sem cobrar a corrida, se despediu e disse quem sabe não comemos uma pizza qualquer dia desses e pediu o número do celular dela.
Ela agradeceu, deu o número do celular mas, não esperou ele ligar.
O tempo se arrastou na mesma rotina. Ela continuou vendo o seu Agenor e todos os outros. Cuidou dos meninos, limpou a casa. E não quis mais ir no samba.
Num domingo a tarde o celular toca, é o Rui a convidando para pizza.
Ela aceita de primeira, como se fosse um programa. Pensa que se sobrar algum pedaço de pizza ela pode levar para os meninos.
Foram 12 domingos comendo pizza de mussarela e calabresa, e tomando refrigerante.
Foram 3 meses para descobrir que o Rui era advogado mas, que por não gostar da profissão comprou o táxi. Que era órfão e neto de uma senhora italiana que tinha alguns bens. Ele tinha uma vida confortável. Ele tinha o que oferecer.
Foram muitas noites até ela beijar o Rui na boca com todo recato e pudor que uma faxineira pode ter e assim descer do carro feliz.
Nessa noite ela chegou em casa sorrindo, beijo as crianças que estavam dormindo, beijou a mãe que estava gelada á horas deitada na cama.
Numa única noite ela beijou pela primeira vez o amor, a morte e o futuro melhor dela e dos meninos.
Não se importou com mais nada, em pouco tempo ela seria somente Luiza.

*Thais essa é a minha Janeide Luiza. Obrigada pelo nome!

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Marcela Moretto

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Uma mulher, uma menina, uma criança...tentando aprender.