Como alguns imigrantes meu pai
veio para o Brasil ainda moço, procurando oportunidade. Chegou sozinho e teve que se virar sozinho
também.
Uma oportunidade aqui, outra
ali, e a vida era apertada. Todo imigrante que queria trabalhar
encontrava trabalho. E quem trabalhou prosperou. Tinha muita coisa pra fazer,
dava pra arriscar, errar, arriscar de novo, e acertar. Hoje essa chance de
errar é bem pequena.
Eles trabalhavam, mas, a grande
maioria queria ter seu comércio, seu próprio negócio.
Finalmente meu pai jovem ainda,
juntou todas as suas economias, a coragem, a vontade de vencer e assumindo uma
dívida pesada confessada em duplicatas comprou sua própria loja.
Conta ele e minha mãe que não
foi fácil. No começo era muito trabalho, pouco crédito, recursos escassos e
quase faliram.
Enfim, o que era pra durar 6
meses, durou 20 anos!
A loja ficava na Rua: Barão de Itapetininga, centro de São
Paulo. Era numa esquina boa, vistosa.
Chamava-se MAXI-SOM.
Era uma loja de discos, LPs e outros artigos como: agulhas, fitas K-7,
filme de máquina fotográfica, canetas finas, e com as mudanças mais tarde
vendia CD.
Apesar de algumas crises, ela
venceu. E dela saiu tudo. Educação, comida, conforto, saúde, lazer, férias na
praia. Dela saiu a nossa vida.
Apesar de ter visto inúmeras
vezes meu pai apreensivo, com o movimento da loja, preocupado em como iria
pagar as contas, como todo comerciante, considerando tudo, foi um prospero
negócio.
Meu pai no "mundo do disco", como
ele costumava dizer, não era uma potência, existiam lojas maiores e mais
lucrativas.
Mas meu pai era respeitado,
tinha prestigio porque sempre foi um homem correto, justo e bom. E ainda é.
Muitas vezes ele reclamou dizendo:
“O centro esgota!”
O balcão é muito cansativo,
precisa ter paciência e o tino comercial.
Todo mundo cansa do seu
ofício um dia.
Vi a loja mudar algumas vezes
por causa das reformas. Lembro de quase tudo nela, da disposição dos discos, da
vitrola, das decorações comemorativas, dos cartazes promocionais das gravadoras,
do balcão, da caixa registradora, da escada que dava pro estoque e escritório, do
catálogo de agulhas, da vitrine.Lembro com amor e nostalgia.
Nós, eu e meus irmãos, crescemos
indo pra loja. Pegávamos o ônibus Praça do Correio e íamos sozinhos para o
centro. Eram outros tempos. Não havia essa maldade, esse tempo perverso e
pervertido.
Quando íamos era por algum
interesse lógico. Afinal, toda criança, adolescente é interesseiro.
Sempre comíamos no Mc Donald´s
do lado do Mappin, comprávamos roupa na Mesbla, tomávamos sorvete, comprávamos doces
na Kopenhagen, de tarde era pão de queijo e suco de laranja.
Era só diversão, sem
preocupação de quem pagava a conta da farra.
Meu pai ficava quase louco com
a gente lá. Porque queríamos fazer tudo. Ficar no caixa, fazer embrulhos,
procurar agulha no catálogo, enfim, a gente queria “brincar de trabalhar” só
que com dinheiro, caixa registradora e clientes de verdade.
Meu pai deixava por um tempo ou
quando a loja estava sem muito movimento. Nossa felicidade era imensa porque a
gente estava “trabalhando”.
Tenho tanta saudade dessa loja.
Tenho e sinto tanto amor por esse lugar mais que qualquer lugar que eu tenha
vivido.
Lembro-me do telefone de lá
255-0290. Lembro-me do meu pai de braços cruzados na esquina olhando o
movimento. Lembro-me do letreiro, e da bagunça que era o estoque.
Não me esqueço dessa loja que
com certeza foi a melhor fase das nossas vidas, mesmo considerando as
ressalvas.
A loja me lembra uma mulher.
Cheia de charme, manhosa, guerreira, com seus encantos e desencantos, mas,
feminina, delicada, caprichosa e muito forte!
O centro mudou, o comércio
mudou, todo mundo começou a ir para os Shoppings. Porque é mais glamoroso, mais
seguro e mais bonito do que as ruas do centro que já estavam começando a ficar
decadentes.
Meu pai passa o ponto, vende a
loja por causa do altíssimo aluguel. Deu medo. No fim foi na hora certa, porque
senão teria sido mais doloroso.
Porque estou escrevendo isso?
Porque ontem eu sonhei com loja. Sonhei que estava escutando música lá dentro.
Olhei tudo nela e me reconheci
mulher como ela sempre foi. Deu saudade de tudo.
Ontem fiz 39 anos e na hora de apagar a velinha,
rodeada dos meus amigos, pensei que metade do caminho já foi. E foi bom demais
até aqui.
Como imagino que se a loja
tivesse alma (e eu sei que tinha) foi viver seus 20 melhores anos com a minha
família.
Quando ela fechou, foi como enterrar
um ente querido. Doeu.
Como ontem foi meu aniversário,
e tenho direito a um pedido, hipoteticamente pediria pra viver mais um dia na
loja do meu pai.
Com certeza comeria no Mc
Donald´s, compraria uma roupinha na Mesbla, a tarde comeria o pão de queijo e
tomaria o suco de laranja, depois compraria língua de gato na Kopenhagen.
Eu ficaria no caixa, colocaria
uma música do Legião Urbana pra tocar (porque era o sucesso que eu mais gostava
de ouvir) esperava a tarde cair, e as 20 horas veria meu pai baixar as portas
de ferro da loja. Eu voltaria pra casa com meu pai exausta e profundamente
feliz porque mais um dia eu tinha “brincado de trabalhar”.
Pena que ainda não inventaram a
máquina do tempo, porque ontem de presente eu teria pedido mais um dia na loja
do meu pai.
Pediria mais um dia de menina
só pra ver meu pai feliz de novo.
2 comentários:
Que estória linda, Cella.
Deu um gostinho de infância, deu uma saudade enorme por você, sei bem o que é sentir saudade dessas coisas simples que nos deixava feliz.
A gente não pode ter essa "máquina do tempo" e é aí que ta o gostoso, a gente lembra e dá valor a momentos singelos e felizes.
Lindo lindo lindo texto. Amei de coração.
Flores!
Flor Passarinho...
também amei reviver e escrever esse texto.
Teve gosto de saudades mesmo!
Obrigada por ler e gostar.
Beijo açúcarado
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