Ela manda parar em frente ao
portão capenga do cortiço. Desce do carro as 6:42 fumando um resto de cigarro,
com uma roupa colada que ajuda a desenhar o corpo, o cabelo amassado, maquiagem
já desforme, na mesma mão do cigarro segura um copo de plástico com uma bebida
já no fim. Não dá pra saber o que tem no copo. Cerveja, pinga, vodka. Também
não faz diferença. Por fim ela bebe as suas mágoas e diz tchau pro dono do
carro.
Janeide Luiza, é uma mulher
bonita, é nova e desejável. Era assim que ela vivia, do desejo dos homens, de
qualquer desejo por ela.
No corredor do cortiço encontra o
senhor Luiz, que diz bom dia, desejando que ela tenha mesmo um dia bom.
Abre a porta de casa e vai logo
tirando a roupa de sair. Coloca a roupa de ficar em casa, escova os dentes, e
vai pra beira do tanque. Amarra o cabelo com uma xuxa, separa a roupa de cor,
da roupa branca e começa o dia.
Os meninos estão no quarto
dormindo. A mãe D. Isaura também.
Ela lava a roupa, a louça, o
banheiro. Passa um pano na casa. Escuta o rádio baixinho.
Depois de tudo arrumado ela
acorda os meninos. Os meninos não são dela. O irmão e a cunhada que passaram lá
no cortiço um dia e sumiram no mundo. Os meninos ficaram, e junto com eles a
responsabilidade toda pra ela.
Coloca o leite, o pão e a
manteiga na mesa. Essa semana ela não viu o seu Agenor da padaria. Então não
tem requeijão, queijo, presunto, danone, Ana Maria, Toddy. Essa semana provavelmente
não vai ter carne.
Semana que vem é a última quinta
do mês, e aí ela vê seu Agenor, e nesse dia tem banquete. E tem o nojo dele
também, mas, pra ver os meninos felizes ela engole o nojo e suporta.
A mãe sai do quarto ainda
cheirando à álcool. Senta na cadeira em frente à mesa e pra disfarçar o tremor
das mãos, brinca com o miolo do pão.
Janeide Luiza, diz para os
meninos descerem e brincarem um pouco enquanto apronta o almoço. Arroz, feijão, salada de dois tomates e ovo frito.
Eles pegam cada um, um brinquedo
velho e cansado e vão. Quando ela olha para os meninos, saindo, ela tenta se
convencer que eles estão tendo uma infância boa.
Nesse momento ela olha pra mãe,
já não sabe o que dizer e nem pensar. Não cobra mais nada. Não faz sentido
cobrar de quem não pode oferecer, ou pagar.
Começa a fazer o almoço. A mãe
vai pro quarto cambaleando, liga a TV e pega a garrafa de pinga de baixo da
cama. Em pouco tempo mata a garrafa e dorme de novo.
Janeide Luiza nunca sabe como
agir nessa situação. É sempre uma tristeza que invade tudo, é um desespero que
toma conta dos pensamentos e a deixa imóvel.
Os meninos sobem, tomam banho e
se aprontam pra ir para escola. Fazem tudo sozinhos. Ela, não os mima não,
porque tem medo de faltar e eles não saberem se virar na vida.
Eles vão pra escola a pé e sozinhos.
Ela olha da janela.
Quando a cozinha está limpa ela
despenca no sofá rasgado, dorme de cansada. Ela nunca sonha, nem sabe se tem
sonho, ela só quer botar comida na mesa e dar alguma coisa que alegre os
meninos.
Quando ela acorda, parece mais
exausta, parece que foi atropelada por um caminhão de mudança, um caminhão
de realidade.
Vai para o banheiro velho que
cheira mofo com os azulejos caídos, liga o chuveiro, se olha no espelho. Se
pergunta em voz alta: O que vai ser dela quando o peito cair, a barriga ficar grande, a pele flácida, a bunda cheia de
furos? – O que vai ser dela quando a idade chegar e o desejo deles por ela
envelhecer?
Ela entra no chuveiro, se lava,
se esfrega como quem quer tirar da pele, o nojo, o desgosto. Como quem quer lavar
a culpa de não tentar uma vida melhor pra ela e os meninos.
Janeide Luiza não é feliz desde o
dia que nasceu. Ela só se permite ser menos triste uma vez por mês. Todo último
sábado do mês, ela deixa os meninos com a D.Luzia esposa do Sr. Luiz e vai pro
samba na zona sul.
Chega e se faz de moça rica e bem
nascida. No samba ela se sente rainha.
Samba, conversa, joga charme, conta que foi para Europa, que está esperando o
carro novo chegar, que quando acabar a faculdade vai morar fora por um ano.
Fala umas expressões em inglês para impressionar.
No samba ela conta a realidade
que ela inventa pra fazer parte da panelinha.
Não bebe muito, não beija nenhum
homem, lá ela é Luiza Magalhães. Lá ela só samba sua felicidade de um dia só.
Quando vai embora, ela pega o
táxi do Rui, que a deixa duas quadras pra frente da rua do samba, pra ela pegar
o ônibus para casa.
Rui sempre puxa papo, quer
assunto. Ela fala pouco.
No último mês, ela entrou no táxi
e desabou a chorar. Chorou muito. Nesse dia, o Rui não deixou ela duas quadras
do samba, andou duas horas com ela pela cidade. Ela acalmou e disse pra ele toda
a verdade da Janeide Luiza. Disse que fazia faxina para sustentar a família,
essa foi a verdade, ou pelo menos não pareceu mentira.
Ele a levou para casa sem cobrar
a corrida, se despediu e disse quem sabe não comemos uma pizza qualquer dia
desses e pediu o número do celular dela.
Ela agradeceu, deu o número do
celular mas, não esperou ele ligar.
O tempo se arrastou na mesma
rotina. Ela continuou vendo o seu Agenor e todos os outros. Cuidou dos meninos,
limpou a casa. E não quis mais ir no samba.
Num domingo a tarde o celular toca,
é o Rui a convidando para pizza.
Ela aceita de primeira, como se
fosse um programa. Pensa que se sobrar algum pedaço de pizza ela pode levar
para os meninos.
Foram 12 domingos comendo pizza
de mussarela e calabresa, e tomando refrigerante.
Foram 3 meses para descobrir que
o Rui era advogado mas, que por não gostar da profissão comprou o táxi. Que era
órfão e neto de uma senhora italiana que tinha alguns bens. Ele tinha uma vida
confortável. Ele tinha o que oferecer.
Foram muitas noites até ela beijar
o Rui na boca com todo recato e pudor que uma faxineira pode ter e assim descer
do carro feliz.
Nessa noite ela chegou em casa
sorrindo, beijo as crianças que estavam dormindo, beijou a mãe que estava
gelada á horas deitada na cama.
Numa única noite ela beijou pela
primeira vez o amor, a morte e o futuro melhor dela e dos meninos.
Não se importou com mais nada, em pouco tempo ela seria somente Luiza.
*Thais essa é a minha Janeide Luiza. Obrigada pelo nome!
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