quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Minha Madrinha


Hoje vindo trabalhar no ônibus, sentei ao lado de uma senhorinha muito simpática. Impecavelmente alinhada da cabeça aos pés. Vestido limpinho e bem passado, calçados novinhos, cabelo arrumadinho num coque, cheiro de alfazema saindo do pequeno corpo dela.
No colo ela segurava com esmero e muito carinho uma forma de bolo. Pelo cheiro era bolo de laranja.
Começamos a conversar e ela me contou que o bolo era para sua afilhada que havia saído do hospital.
Imediatamente me lembrei da minha madrinha.
Logo dona Gilda desceu do ônibus com o bolo e foi se encontrar com Larissa sua afilhada.
Eu fiquei sentada no ônibus sonhando acordada com a Tia Carmen, minha madrinha.
Quando somos católicos praticantes ou não, escolhemos padrinhos para os nossos filhos, assim como nossos pais escolhem para nós. É hábito, religião e com dizem os antigos é pra não morrer pagão. Geralmente padrinhos são próximos, parentes, irmãos, amigos queridos, na maioria das vezes são pessoas que poderiam ser o pai e a mãe dessa criança se os pais de sangue faltassem.
Por isso ser madrinha e padrinho de alguém é uma honra, um voto de confiança eterno.
Não sei se é muito certo nossos pais escolherem nossos padrinhos. Mas, é o costume. Conheço gente que cresceu e que os pais deixaram com que a pessoa escolhesse seus próprios padrinhos. Acho mais justo. Porque se tem padrinhos e madrinhas que gostamos também existem aqueles que não temos a menor afinidade.
Meus padrinhos foram escolhidos por consideração e amizade. Meu padrinho trabalhou junto com meu pai. Eles eram amigos.  Era um casal mais velho, eram idosos. Foi meu padrinho que escolheu meu nome Marcela, e eu amo me chamar assim. Me sinto Marcela, muitas as vezes.
Me peguei voltando lá no passado e revivi no trajeto para o trabalho muito amor, muitas lembranças boas.
Eu ia pra casa da minha madrinha sempre. Ela morava num sobrado na zona norte. Era uma casa enorme que eu adorava. Tinha um porão cheio de ferramentas, coisas velhas que cheirava umidade.
A cozinha era branca e preta com coisas do Corinthians por causa do Tio Irineu, meu padrinho. Ele era um doce velho ranzinza briguento.
Muitas vezes o vi na espreguiçadeira ouvindo o jogo no rádio. Era louco pelo Timão.
Na parte de cima da casa tinha um terraço enorme onde ficava a lavanderia, a cachorra Lessi, os passarinhos, a tartaruga e a gata Pupi. Acho que a casa tinha muitos bichos porque eles tinham uma única filha a Bel, Isabel.
A Bel era mais velha que eu, era mocinha. Era no quarto dela que eu dormia na minha caminha de ferro de montar e desmontar tipo cama de exército.
Eu morria de vergonha quando e sempre acontecia isso, a minha madrinha colocava o colchão no sol porque eu fazia xixi na cama.Ela nunca brigou, achava graça.
Nessa época eu comia quase nada. Era magrinha, ás vezes anêmica, mas, na casa dela eu só levantava da mesa se raspasse o prato. Era uma tortura comer tudo aquilo! Bons tempos.  
Ela fazia um bolo de chocolate que eu nunca comi igual. E também um macarrão na caçarola, a cocada de leite condensado, a lentilha com folha de louro. Ela também fazia a melhor empadinha das galáxias! E quando ela fazia empadinha, eu separava as forminhas e untava com manteiga. Ela dizia pra vizinha que eu era a melhor ajudante.

Muitas foram as tardes que a gente fez bauru no tostex e tomou guaraná, assistindo a Ilha da Fantasia. Nessa época eu ainda não era uma viciada em coca cola.
A parte que eu mais gostava quando ficava lá era vê-la lavando a roupa. Porque ela deixava eu cuidar dos passarinhos. Eu ficava alucinada com as gaiolas. Trocava o jornal, colocava alpiste, jiló, água, e quase deixava eles escaparem. Achava um pecado eles ali presos.
Me lembrei de tudo. Da roupa de cama que cheirava lavanda, sempre branca que ficava de molho na bacia de alumínio e depois ia pro varal.
Eu pequena me escondia atrás do lençol e brincava que era um fantasma. Ela fingia ter medo pra me fazer rir.
O banheiro era gigante! Amarelo com as louças pretas. Parecia um banheiro de atriz de cinema, porque tinha lâmpadas em volta do espelho.
Ganhei presente em todas as dadas comemorativas mesmo meus padrinhos sendo simples, e sem muitos recursos.
Mas, o presente que eu mais gostei de ganhar foi um chinelo de pelinhos igualzinho o da minha madrinha. Passávamos o dia inteiro eu e ela arrastando nossos chinelos de pelinhos. Até o dia que a cachorra comeu a metade do meu.
Minha madrinha bebia escondido um vinho chamado Natal.  Quando eu a via bebendo eu falava pode beber que eu não conto pra ninguém. Um dia falei: Posso tomar um pouco?
Ela colocou o vinho numa xícara pequena de café, e como ela eu bebi e disse: Para abrir o apetite! Ela caiu na gargalhada. Acho que abriu tanto o meu apetite que ele não fechou nunca mais.
Eu amava a minha madrinha. Ela era uma leonina calma, pacata, carinhosa, doce. Uma alma diferente.
Estudei muito na mesa da cozinha dela. Tabuada, ditado, matemática, português. A Bel, me obrigava. Ela gostou tanto de me dar aulas que fez letras na PUC. Eu praticamente fui o teste vocacional dela vamos dizer assim.
Virou uma boa professora de português.
Minha madrinha morreu numa férias de verão, quando eu já era uma adolescente e estava na praia. Não fui no velório e nem no enterro.
Melhor assim. Porque só lembro dela viva. Porque não enterrei minhas boas lembranças dela.
Vira mexe eu sonho com ela.  E quando eu sonho é uma sensação muito real de saudades e carinho, talvez ela venha me visitar em sonho, só pra ver se eu estou comendo tudo (e eu estou) ou se eu estou feliz.
Hoje eu revivi esse tempinho bom com a minha madrinha, e fico pensando com tanta gente que já tive o prazer de reencontrar no facebook, ainda não reencontrei a Bel.
Sei lá, acho que ela ia ficar feliz de saber que tenho esse blog, que ás vezes eu escrevo aqui e que hoje o texto foi pra mãe dela.
Fada madrinha nos contos de fada é aquela figura mágica que abençoa, cuida, protege, e com uma varinha mágica te transforma na Cinderela.
Pois é, minha madrinha era uma fada, quase todas as madrinhas são. Pois, elas podem proporcionar momentos de vida mágicos, como esses que eu acabei de relatar.

4 comentários:

Renato at: 12 de setembro de 2013 às 14:20 disse...

Muito bom... também me fez voltar no tempo e lembrar das férias passadas na casa da madrinha...

Marcela Moretto at: 13 de setembro de 2013 às 06:26 disse...

Renato,
obrigada por ler e compartilhar boas lembranças rs
beijo


Christian Holzmeister at: 13 de setembro de 2013 às 07:12 disse...

Que boas, que gostosas, estas lembranças de padrinhos e madrinhas que, em todos nós, são tão parecidas, carinhosas...

Marcela Moretto at: 16 de setembro de 2013 às 06:32 disse...

Verdade Christian, com são gostosas essas lembranças de todos nós.
Obrigada por ler.
bjo

Seguidores

Tecnologia do Blogger.

Marcela Moretto

Marcela Moretto
Uma mulher, uma menina, uma criança...tentando aprender.