Hoje vindo trabalhar no ônibus,
sentei ao lado de uma senhorinha muito simpática. Impecavelmente alinhada da
cabeça aos pés. Vestido limpinho e bem passado, calçados novinhos, cabelo arrumadinho
num coque, cheiro de alfazema saindo do pequeno corpo dela.
No colo ela segurava com esmero
e muito carinho uma forma de bolo. Pelo cheiro era bolo de laranja.
Começamos a conversar e ela me
contou que o bolo era para sua afilhada que havia saído do hospital.
Imediatamente me lembrei da
minha madrinha.
Logo dona Gilda desceu do ônibus com o
bolo e foi se encontrar com Larissa sua afilhada.
Eu fiquei sentada no ônibus
sonhando acordada com a Tia Carmen, minha madrinha.
Quando somos católicos
praticantes ou não, escolhemos padrinhos para os nossos filhos, assim como nossos pais escolhem para nós. É hábito,
religião e com dizem os antigos é pra não morrer pagão. Geralmente padrinhos
são próximos, parentes, irmãos, amigos queridos, na maioria das vezes são
pessoas que poderiam ser o pai e a mãe dessa criança se os pais de sangue
faltassem.
Por isso ser madrinha e
padrinho de alguém é uma honra, um voto de confiança eterno.
Não sei se é muito certo nossos
pais escolherem nossos padrinhos. Mas, é o costume. Conheço gente que cresceu e
que os pais deixaram com que a pessoa escolhesse seus próprios padrinhos. Acho
mais justo. Porque se tem padrinhos e madrinhas que gostamos também existem
aqueles que não temos a menor afinidade.
Meus padrinhos foram escolhidos
por consideração e amizade. Meu padrinho trabalhou junto com meu pai. Eles eram
amigos. Era um casal mais velho, eram idosos.
Foi meu padrinho que escolheu meu nome Marcela, e eu amo me chamar assim. Me
sinto Marcela, muitas as vezes.
Me peguei voltando lá no
passado e revivi no trajeto para o trabalho muito amor, muitas lembranças boas.
Eu ia pra casa da minha
madrinha sempre. Ela morava num sobrado na zona norte. Era uma casa enorme que
eu adorava. Tinha um porão cheio de ferramentas, coisas velhas que cheirava
umidade.
A cozinha era branca e preta
com coisas do Corinthians por causa do Tio Irineu, meu padrinho. Ele era um doce velho ranzinza briguento.
Muitas vezes o vi na
espreguiçadeira ouvindo o jogo no rádio. Era louco pelo Timão.
Na parte de cima da casa tinha
um terraço enorme onde ficava a lavanderia, a cachorra Lessi, os passarinhos, a
tartaruga e a gata Pupi. Acho que a casa tinha muitos bichos porque eles tinham
uma única filha a Bel, Isabel.
A Bel era mais velha que eu,
era mocinha. Era no quarto dela que eu dormia na minha caminha de ferro de
montar e desmontar tipo cama de exército.
Eu morria de vergonha quando e
sempre acontecia isso, a minha madrinha colocava o colchão no sol porque eu
fazia xixi na cama.Ela nunca brigou, achava graça.
Nessa época eu comia quase nada. Era magrinha, ás vezes anêmica, mas, na casa
dela eu só levantava da mesa se raspasse o prato. Era uma tortura comer tudo
aquilo! Bons tempos.
Muitas foram as tardes que a gente fez bauru no tostex e tomou guaraná, assistindo a Ilha da Fantasia. Nessa época eu ainda
não era uma viciada em coca cola.
A parte que eu mais gostava
quando ficava lá era vê-la lavando a roupa. Porque ela deixava eu cuidar dos passarinhos.
Eu ficava alucinada com as gaiolas. Trocava o jornal, colocava alpiste, jiló, água,
e quase deixava eles escaparem. Achava um pecado eles ali presos.
Me lembrei de tudo. Da roupa de
cama que cheirava lavanda, sempre branca que ficava de molho na bacia de
alumínio e depois ia pro varal.
Eu pequena me escondia atrás do
lençol e brincava que era um fantasma. Ela fingia ter medo pra me fazer rir.
O banheiro era gigante! Amarelo
com as louças pretas. Parecia um banheiro de atriz de cinema, porque tinha
lâmpadas em volta do espelho.
Ganhei presente em todas as
dadas comemorativas mesmo meus padrinhos sendo simples, e sem muitos recursos.
Mas, o presente que eu mais
gostei de ganhar foi um chinelo de pelinhos igualzinho o da minha madrinha.
Passávamos o dia inteiro eu e ela arrastando nossos chinelos de pelinhos. Até o
dia que a cachorra comeu a metade do meu.
Minha madrinha bebia escondido
um vinho chamado Natal. Quando eu a via
bebendo eu falava pode beber que eu não conto pra ninguém. Um dia falei: Posso
tomar um pouco?
Ela colocou o vinho numa xícara
pequena de café, e como ela eu bebi e disse: Para abrir o apetite! Ela caiu na
gargalhada. Acho que abriu tanto o meu apetite que ele não fechou nunca mais.
Eu amava a minha madrinha. Ela
era uma leonina calma, pacata, carinhosa, doce. Uma alma diferente.
Estudei muito na mesa da
cozinha dela. Tabuada, ditado, matemática, português. A Bel, me obrigava. Ela
gostou tanto de me dar aulas que fez letras na PUC. Eu praticamente fui o teste
vocacional dela vamos dizer assim.
Virou uma boa professora de
português.
Minha madrinha morreu numa
férias de verão, quando eu já era uma adolescente e estava na praia. Não fui no
velório e nem no enterro.
Melhor assim. Porque só lembro
dela viva. Porque não enterrei minhas boas lembranças dela.
Vira mexe eu sonho com ela. E quando eu sonho é uma sensação muito real de
saudades e carinho, talvez ela venha me visitar em sonho, só pra ver se eu
estou comendo tudo (e eu estou) ou se eu estou feliz.
Hoje eu revivi esse tempinho
bom com a minha madrinha, e fico pensando com tanta gente que já tive o prazer
de reencontrar no facebook, ainda não reencontrei a Bel.
Sei lá, acho que ela ia ficar
feliz de saber que tenho esse blog, que ás vezes eu escrevo aqui e que hoje o
texto foi pra mãe dela.
Fada madrinha nos contos de
fada é aquela figura mágica que abençoa, cuida, protege, e com uma varinha
mágica te transforma na Cinderela.
Pois é, minha madrinha era uma
fada, quase todas as madrinhas são. Pois, elas podem proporcionar momentos de vida mágicos, como esses que eu acabei de
relatar.
4 comentários:
Muito bom... também me fez voltar no tempo e lembrar das férias passadas na casa da madrinha...
Renato,
obrigada por ler e compartilhar boas lembranças rs
beijo
Que boas, que gostosas, estas lembranças de padrinhos e madrinhas que, em todos nós, são tão parecidas, carinhosas...
Verdade Christian, com são gostosas essas lembranças de todos nós.
Obrigada por ler.
bjo
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