quinta-feira, 20 de março de 2014

A Bela Aborrecida


Nunca gostei de acordar cedo. Gosto de dormir. Mas, não até muito mais tarde porque acho que perdemos o melhor do dia.
Acordo cedo todos os dias. É uma responsabilidade diária levar meu filho ao colégio. E quase todos os dias sou obrigada a manobrar o carro do meu vizinho, porque no meu prédio tenho vaga presa.
Explico: vaga presa são duas vagas, uma na frente da outra, que obriga quem tem a vaga de trás a manobrar o carro da frente e vice versa.
É um saco! Falando no português chulo.
Quase todos os dias é um tormento me dirigir até a portaria pegar a chave do carro do vizinho, manobrar o carro dele, que na maioria das vezes está fedendo cachorro molhado, é uma zona com todo tipo de lixo, tem o banco lá trás porque o vizinho é alto, lógico que isso tudo acontece quando eu consigo abrir o carro, porque a chave sempre dá problema. 
Enfim, fazer isso as 6hs a.m é muito chato.
Eu claro já fico p..., mesmo sabendo que não tem jeito que tenho que fazer isso. As vezes xingo, as vezes ignoro, e todas as vezes me irrito, me aborreço e quero chutar o pneu do carro dele.
Um dia desses conversando com meu filho no caminho para o colégio, e falando das nossas metas pessoais para 2014, ele me disse: "Mãe você poderia tentar levar as coisas mais numa boa esse ano".
Eu disse como assim? Ele disse: "Ah! mãe você explode porque tem que manobrar o carro do cara todo dia por exemplo". 
"Eu sei é um saco, mas, tem que fazer não tem?! Porque se estressar com isso logo cedo? Porque estragar sua manhã por tão pouco?". Ele ainda me deu pelo menos mais dois exemplos de como perco a calma por nada.
Concordei com ele. Ele quase sempre tem razão. E prometi que agiria diferente daquele dia em diante. 
E foi exatamente o "tem que" que me fez mudar (um pouco pelo menos). Não tem jeito a gente "tem que" fazer muitas coisas no dia a dia.
Seja no trabalho, em casa, na rua, nas relações com as pessoas, a gente sempre "tem que" alguma coisa. Faz parte da rotina.
De volta do colégio, deixei o meu carro na frente do carro do vizinho, quase uma vingança e vim trabalhar de ônibus. Sim, eu não uso o carro para trabalhar e isso me faz muito feliz.
Mais do que normalmente já faço, notei as pessoas a minha volta. No ônibus tinham três mulheres no celular, irritadas, brigando por alguma razão com alguém.
Uma falava com o marido e reclamava e brigava e não parava de falar. Uma outra discutia com a filha a importância de ajudar em casa. A outra falava mal da chefa para uma amiga do trabalho.
Todas estavam alteradas logo cedo. Todas estavam começando o seu dia assim, de certa forma bem negativa. 
Pergunto: Será que acordar cedo de forma geral nos atormenta? Ou é isso e todo o resto, trânsito, contas pra pagar, filho, marido e casa pra cuidar, dormir mal, etc etc... que somado as nossas frustrações pessoais que potencializam nossa pouca paciência? (Fui fundo agora).
Chego a conclusão que estamos mais para belas aborrecidas desejando alguns minutos a mais de paz numa ilha perdida, do que belas adormecidas esperando o príncipe no castelo.
Morar em São Paulo não é um mar calmo do Caribe. E quando é, pode vir uma onda gigante do nada e te engolir. Minha cidade tem excelência em muitos serviços, funciona 24hs, mas, o que ela mais tem tido ultimamente é a capacidade de nos aborrecer. 
E isso tem um efeito cumulativo, junta com a nossa vida turbulenta e pronto tá feita a desgraça de uma vida corrida de pessoas à flor da pele.
Não é um problema isolado. É coletivo esse nervoso, essa fúria. 
Quem perde? Todos. Quem mais perde somos nós mesmos, depois as pessoas mais próximas à nós e no contexto todo a sociedade.
Estamos indo mais ao terapeuta, estamos tendo mais depressão, sindrôme do pânico, ansiedade, estamos tomando mais remédios. Estamos sofrendo essa é a verdade.
Tenho meu mal humorzinho diário, mas, sou mais bem humorada na porcentagem total e minha maneira romântica, alegre e até infantil de ver as coisas acaba compensando e muitas vezes salva meu dia.
Respirar, contar até 1019 é o remédio mais barato e acessível que tem no mercado.
Tenho praticado. Quando vou explodir, paro respiro conto mentalmente até 1019 e consigo agir de forma mais controlada.
Não quero ser uma bela aborrecida, quero paz à minha volta, e se a paz não começar comigo e dentro de mim como vai ser? 
Conclusão as coisas que eu "tenho que" não estão me aborrecendo tanto. Não estão tirando o meu sossego.
Vou lá faço, resolvo e fico livre.
Até para manobrar o carro do vizinho tenho sido calma. 
O que você "tem que" fazer que te aborrece tanto? Seja o que for, esse seu "tem que" não pode ser assim tão poderoso a ponto de acabar com seu dia a dia, com seus nervos e com suas relações.
Faça uma lista dos seus "tenho que", leia e rasgue. Depois disso ao invés de "tenho que fazer" troque por "tenho que fazer numa boa". Faça numa boa por você e pelos que compartilham da sua vida.
E em último caso xingue em voz baixa de vez em quando. Sem problemas, é normal ter recaídas.
Vamos ter dias mais leves para sermos mais leves também.
A propósito todo "tenho que" ou "tem que" acaba um dia. Eu por exemplo vou mudar de apartamento e logo terei uma vaga só pra mim!!!

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Marcela Moretto

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Uma mulher, uma menina, uma criança...tentando aprender.